Anne-Marie Schleiner é a cyberfeminista que está revolucionando os jogos de computador
por Vange Leonel
Sua profissão é tão nova e moderna que às vezes é difícil definir o que ela faz. Mas vamos tentar: Anne-Marie Schleiner é designer e modificadora de jogos, curadora de arte hacker, artista digital, revolucionária da web e cyberfeminista. Um belo dia, farta do sexismo contido nos jogos de computador numa era pré-Lara Croft, resolveu criar patches para a confecção de personagens do sexo feminino. Assim teve início a saga desta gamegrrrl, em meio a gameboys, com o projeto Mutation.Fem, uma elaboração de novas heroínas digitais para serem inseridas em shooting-games tipo Quake.
A brincadeira de criar novas skins e patches para jogos já existentes acabou se transformando numa atividade séria com fundamentos ideológicos. Em 2002, movida por uma agenda feminista e incomodada com a reação bélica dos Estados Unidos aos ataques de 11 de setembro, Schleiner ficou famosa na rede ao lançar a sua MOD (modificação) do popularíssimo game Counter-Strike. Em Counter-Strike (um MOD de Half-Life que virou mania nas LAN houses) os jogadores se dividem em dois times (terroristas e contra-terroristas) com o objetivo de matar o máximo de jogadores adversários. Alarmada, não exatamente com a violência do jogo, mas com a ideologia xenófoba e fascista por trás do enredo de Counter-Strike, Schleiner criou o MOD Velvet-Strike. Seu MOD permite ao jogador se infiltrar num jogo de Counter-Strike e, em vez de matar, colar no cenário cartazes virtuais ou fazer grafites com frases pacifistas para estimular outros jogadores a deporem suas armas. A reação ao seu MOD foi imediata e Schleiner passou a ser acusada de falta de patriotismo e anti-americanismo pela horda raivosa de macho-players de Counter-Strike.
Mas a cybergrrrl não parou por aí. Embora mantivesse seus esforços para invadir e penetrar games tipicamente violentos e masculinos com mensagens pacifistas e avatares do sexo feminino, Schleiner começou a perceber que a própria estrutura desses games não atraía mulheres, que parecem preferir jogos que estimulem a imaginação e a libido. Foi então que iniciou, com a desenhista Melinda Klyman, o projeto Anime Noir, um RPG erótico em que o jogador cria um avatar para interagir com outros na rede, num cenário ambientado no Japão pós-segunda guerra. Com influências dos animes orientais e do cinema da década de 40, os jogadores de Anime Noir devem procurar por 3 chaves, mas, que ninguém se engane, isso é apenas pretexto para interagir com outras pessoas na rede e seduzi-las, num delicioso joguinho virtual-erótico.
O mais interessante em Anime Noir, no entanto, é a possibilidade de se criar avatares transgêneros que mudam de sexo e até mesmo cruzar espécies, com personagens metade peixe e metade mulher, por exemplo. Outras curiosidades tornam o jogo único em termos de enredo erótico e postura queer feminista: quanto mais inusitado o relacionamento sexual, mais pontos você ganha; se uma mulher chega ao orgasmo, ela obtém mais energia, ao contrário do homem, que se extenua e tem que descansar para se recuperar; a partir de certa fase, você pode ter acesso a sex toys e agradinhos para presentear outros jogadores; durante a paquera é preciso muita conversa e, finalmente, para se chegar ao orgasmo, as preliminares são fundamentais. "Queremos fazer um jogo que agrade não apenas o consumidor macho, mas que caia no gosto de jogadores de todos os gêneros e inclinações sexuais", diz Schleiner.
Apesar de se intitular uma cyberfeminista, Schleiner é avessa a "ismos", permitindo-se, como ela mesma diz, "associações estratégicas, contradições irônicas e posições livres de gênero". Mesmo assim, seus objetivos são claros: a democratização da cultura eletrônica, permitindo aos usuários que interfiram e modifiquem jogos e softwares. O Opensorcery, seu projeto principal no momento, explora e promove os sistemas abertos (que permitem interferências e modificações) porque Schleider acredita que essa democratização na elaboração de softwares tem potencial para mudar o mundo. Este novo ambiente, segundo ela "dissolveria os limites rígidos de gênero, cavando espaço para o cyberfeminismo e outras correntes tecno-culturais marginais, podendo mudar também a cyber-economia, transformando o comércio eletrônico numa economia de doações".
Porém, com os pés bem plantados no chão, Schleider sabe que essa é uma utopia que, depois da explosão da bolha da internet, ficou mais distante ainda. A gratuita versão beta de Anime Noir, por exemplo, foi tão solicitada que a cybergrrrl ficou sem tempo de coordenar os jogos on-line, que estão temporariamente fora de serviço. Pena. Infelizmente, as boas idéias do cyberespaço dependem da disponibilidade de tempo de seus criadores que, por sua vez, precisam trabalhar em outros projetos que rendam dinheiro para seu próprio sustento. Ou seja, a economia oficial acaba limitando os esforços de cyber-revolucionários como Schleider. A boa notícia é que pessoas como ela não desistem e sempre que podem injetam, literalmente, vida nova no espaço virtual. Fiquem atentos.
LINKS
Opensorcery
http://www.opensorcery.net
Velvet-Strike
http://www.opensorcery.net/velvet-strike/about.html
Anime Noir
http://www.playskins.com/animenoir/
Mutation.Fem
http://www.opensorcery.net/mutation/